Sonhei… Era uma terça-feira de intensa chuva e caos em São Paulo. Mesmo assim, persisti em caminhar sob as sacadas no centro da cidade, buscando abrigo, mas sendo atingido pelas gotas insistentes. Outros transeuntes compartilhavam do mesmo desafio, tentando escapar da chuva e dos guarda-chuvas que ameaçavam nos cegar a todo momento.

Alheio a tudo isso, o tempo corria, e o sonho e a vida seguiam seu curso. Talvez até ela estivesse escapando de mim, eu disse talvez, pois não tinha certeza. E a certeza poderia ser um alívio para minha alma ou uma tormenta para minha mente. Confuso? Sei que sou confuso, nunca neguei. E quando ela se aproximava, a confusão aumentava, sem saber se era amor ou ódio, se era desejo ou medo.

O que mais me intrigava não era apenas sua beleza ou sua loucura, mas sim sua transparência. Tudo parecia óbvio e claro demais para que eu pudesse acreditar. Sempre nos beijávamos, apaixonados, mas eram beijos de saudação e despedida apenas. Não eram os beijos que eu desejava, os beijos de lábios contra lábios, língua contra língua, língua entre lábios… Como eu queria e quero.

Mas, de repente, como se do nada, ela me envolveu em seu espaço, se mostrou, se entregou. Não foi um gesto arrogante e desmedido; foi suave e leve, algo como: “permita-me ser beijada”, como se tivesse receio de ser recusada. Eu estava ali, em seu espaço dado, cedido, me perguntando se poderia ou não seguir o que meu corpo desejava.

Maldito senso de respeito! Parei, me segurei como pude, me esforcei, respirei fundo e… Neguei a mim mesmo o toque daqueles lábios, os quais desejei desde o primeiro momento e que sempre me intrigaram.

Quis demais, o demais me foi oferecido… Tremi, olhei em seus olhos e me vi desejoso, mergulhado em mel, com medo de abrir a boca e provar do doce. O momento se prolongou, estávamos nas profundezas de nós mesmos, presos a nossos desejos e dispostos a tudo. Saímos dali ainda mais desejosos, e pior, sem os beijos.

Ao sair, não chovia mais; a cidade parecia ter secado como se fosse vítima do nosso calor. E lá estávamos… Continuávamos desejando os beijos um do outro. Nada que não pudesse se dissipar em segundos…

Lá estávamos, presos e desejosos, e o desejo persistia. Nosso beijo se tornou uma promessa sem tempo, sem prazo, sem validade. Ela permanece, talvez mais próxima agora, talvez mais clara e evidente do que nunca.

Nosso beijo se transformou em uma dívida a ser paga em parcelas e com juros, uma promessa que sabíamos que seria cumprida. Não havia milagre em nosso desejo, mas sim uma suavização da pena. Na mesma jaula, animais que éramos, continuávamos querendo, mesmo tendo perdido a maior de todas as oportunidades.

O teu beijo, que ainda não provei, permanece meu, guardado em seus lábios.